Contrato de Controlo como Instrumento de Perfeição de Contrato de Penhor de Contas Bancárias
É inquestionável que, nos dias que correm, o acesso ao crédito, capitais e demais serviços financeiros constitui um meio bastante importante de financiamento, desenvolvimento e fortalecimento do investimento do sector privado em Moçambique. E é compreendendo o papel crucial das garantias a prestar no processo de concessão de crédito tanto localmente como na relação com entidades estrangeiras, que o legislador introduziu significativas alterações ao regime jurídico aplicável aos direitos reais sobre bens móveis constante do Código Civil, por meio da Lei n.º 19/2018, de 28 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico de utilização de coisas móveis como garantia de cumprimento de obrigações e cria a Central de Registo de Garantias Mobiliárias (“Lei das Garantias Mobiliárias”), e do Decreto n.º 7/2020, de 10 de Março que aprova o Regulamento da Lei das Garantias Mobiliárias (“Regulamento”).
São notórias as várias e inovadoras alterações trazidas pela nova Lei das Garantias Mobiliárias e o respectivo Regulamento. Porém, para a presente reflexão, iremos cingir-nos apenas no Contrato de Controlo como instrumento de perfeição do penhor de contas bancárias e/ou contas de títulos e activos financeiros ou activos financeiros intermediados.
No entanto, pela relevância do assunto, importa salientar que com a operacionalização da Central de Registos das Garantias Mobiliárias (“CRGM”), materializa-se a grande expectativa de ver flexibilizada a forma como as garantias são constituídas em Moçambique. A CRGM foi criada pela Lei das Garantias Mobiliárias e pelo respectivo Regulamento e, na prática, trata-se de um serviço público totalmente electrónico que centraliza, para efeito de publicidade, toda a informação de registo de garantias constituídas sobre bens móveis.
Não obstante o facto de o registo das garantia na CRGM não constituir por si só uma condição de eficácia das garantias, no nosso entendimento só a possibilidade de efectuar este registo numa plataforma própria e gerida por uma entidade com competências exclusivas para o efeito como é o caso da CRGM, vem conferir maior segurança jurídica ao credor e mais transparência ao processo de constituição de garantias, na medida em que os terceiros ficam informados da existência das garantias prestadas caso pretendam adquirir o bem garantido. Importa ainda referir que com a entrada em funcionamento da CRGM no dia 29 de Dezembro de 2021, as novas garantias constituídas sobre bens móveis devem ser registadas na CRGM como um requisito de perfeição de garantias. As garantias já existentes devem igualmente ser registadas na CRGM num prazo de 6 (seis) meses a contar a partir de 29 de Dezembro de 2021.
Contrato de Controlo como Instrumento de Perfeição de Contrato de Penhor de Contas Bancárias e/ou contas de títulos e activos financeiros ou activos financeiros intermediados.
A nova Lei das Garantias Mobiliárias e o respectivo Regulamento, instituem a figura do “Contrato de Controlo”, ou seja a exigência da celebração de um contrato de controlo quando a garantia tiver por objecto contas bancárias e contas de títulos e activos financeiros ou activos financeiros intermediados.
O Contrato de Controlo é objectivamente um acordo entre as partes, segundo o qual o emissor da garantia ou a instituição depositária ou intermediária (a nossa experiência recente mostra que no nosso ordenamento jurídico na maior parte das vezes tem sido uma Instituição de Credito do tipo Banco) de uma conta bancária, conta de títulos e activos financeiros, conta ou activos financeiros intermediados aceita cumprir as instruções do credor relativamente ao pagamento dos respectivos fundos sem requerer o consentimento posterior do Garante.
Ora, na óptica do legislador, o contrato de controlo enquanto instrumento de perfeição de penhor de contas bancárias e/ou contas de títulos e activos financeiros, ou activos financeiros intermediados, é um instrumento de salvaguarda e segurança dos interesses do credor em caso de incumprimento das obrigações garantidas pelo devedor, ou seja, este contrato visa atribuir poderes ao credor para livremente movimentar as contas bancárias dadas como garantia para o cumprimentos das obrigações e sem necessidade de consentimento prévio do titular das contas neste caso o Devedor.
Porém, apesar de a legislação exigir a celebração do Contrato de Controlo como condição para a perfeição da garantia relativamente ao penhor de conta bancária ou activos financeiros, no nosso entendimento o alcance jurídico desta norma tem-se mostrado bastante difícil de aferir, especialmente no que se refere ao penhor sobre contas bancárias, na medida em que a norma pode entrar em rota de colisão com algumas normas das instituições de credito, nomeadamente normas a observar na movimentação das contas bancárias.
Na pratica o contrato de controlo pode mostrar-se insuficiente e com fragilidades notórias no momento de execução do penhor sobre contas bancárias, pelo menos enquanto não for harmonizada a aplicabilidade do contrato de controlo com as normas e procedimentos em vigor relativos à movimentação de contas bancárias.
É que o contrato de controlo visa essencialmente garantir que em caso de incumprimento das obrigações garantidas pelo devedor (titular das contas bancárias), o credor possa movimentar as contas bancárias dadas como garantias e o Banco onde estão domiciliadas estas contas bancárias aceite que o credor livremente movimente as contas bancárias. Contudo, as condições de movimentação de contas bancárias dependem de instruções constantes de actas da sociedade e fichas de assinatura ou ainda de procurações para o mesmo efeito. O contrato de controlo, sendo um novo instrumento, poderá criar um desconforto generalizado no seio dos bancos, por vários motivos de entre os quais destaca-se o conjunto de normas e regras que os bancos, enquanto instituições de crédito, obrigam-se, que resultam do contrato de abertura de conta. O contrato de abertura de conta consiste, em regra, num documento escrito (impresso ou com ficha de assinaturas), do qual decorre o direito de depósito, movimentação e levantamento de fundos por parte do titular da conta. Assim, por meio do contrato de abertura de conta e no acto de abertura de conta, o requerente nomeia os assinantes de conta e informa ao banco sobre as formas e modalidades de movimentação destas e com isso o banco só movimenta as contas mediante instruções dos assinantes das contas bancárias, levantando-se assim as duvidas de se o banco pode receber e cumprir instruções de movimentação de contas vindos um terceiro estranho à sociedade. Significa isto que, no acto de execução do penhor sobre contas bancárias, esta pode não ser tão simples e imediata e poderão ser solicitados ao credor documentos adicionais que lhe permitam a movimentação da conta bancária dada em penhor.
Portanto, por forma a obviar este tipo de constrangimentos, pode tornar-se necessário que no momento da outorga do contrato de penhor e o respectivo contrato de controlo, o devedor conceda uma procuração ao credor com poderes de movimentação da conta bancária (documento a que os bancos estão geralmente familiarizados para efeitos de movimentação de contas bancárias), que deverá ser entregue ao banco depositante junto com o contrato de controlo. Esta procuração poderá permitir ao banco que aceite as instruções para movimentação de contas pelo credor no momento da execução sem necessidade de procedimentos adicionais.
Não obstante a importância e relevância que o contrato de controlo reveste, a nossa experiência recente mostra claramente que o mesmo entra em choque com algumas regras e procedimentos que os bancos, enquanto instituições de crédito, obrigam-se, dai que urge a necessidade de harmonizar a legislação de modo a instituir igualmente a obrigatoriedade de, sempre que se tratar de penhor de contas bancárias e/ou contas de títulos e activos financeiros ou activos financeiros intermediados, para além de celebrar o contrato de controlo, o devedor deve conceder uma procuração a atribuir poderes suficientes para o credor livremente movimentar as contas bancárias dadas como garantia, sob pena de o banco das contas bancárias não aceitar as instruções de movimentação da conta bancárias empenhadas, alegando o legítimo pretexto de este ser um elemento estranho à sociedade.