Pandemia do COVID-19 em Moçambique: será a suspensão de contratos de trabalho uma alternativa viável?
Alerta COVID-19
Sendo o COVID-19 já uma realidade em Moçambique, com a confirmação do 8° caso no Domingo, dia 29 de Março de 2020, torna-se cada vez mais urgente a tomada de decisões sobre como as relações laborais devem ser estruturadas e reguladas.
A questão tornou-se uma constante a partir do momento em que Sua Excelência Filipe Jacinto Nyusi, Presidente da República, na Comunicação à Nação do dia 20 de Março de 2020, determinou como uma das medidas de prevenção o encerramento de todas as escolas públicas e privadas do ensino pré-escolar ao ensino superior, mas também porque algumas empresas por iniciativas unilaterais e como forma de evitar a contaminação, decidiram dispensar os seus trabalhadores.
Esta medida acelera a necessidade de ponderação e implementação de alternativas para o desempenho (ou não) das actividades laborais, tendo em conta que muitos trabalhadores e trabalhadoras, enquanto pais, ficarão impossibilitados de comparecer ao local de trabalho para poderem cuidar das suas crianças.
No nosso último artigo sobre o tema, dissecamos a possibilidade de realização do teletrabalho e trabalho no domicílio (ainda não previsto no nosso ordenamento jurídico, mas aceitável no plano doutrinário e nos usos laborais), bem como as condições para a sua efectivação e as limitações deste regime, por falta de regulamentação específica.
No entanto, importa ter em atenção que nem todas as actividades poderão ser realizadas em regime de teletrabalho ou trabalho ao domicílio e que, portanto, haverá trabalhadores que não poderão realizar as suas tarefas a partir de casa.
Um dos regimes que tem sido discutido nos diferentes fora (“fóruns”) de Direito é a suspensão do contrato de trabalho por motivo respeitante ao empregador, previsto no artigo 123º da Lei do Trabalho (Lei n° 23/2007, de 1 de Agosto).
Nos termos do disposto no referido artigo, o empregador pode suspender os contratos de trabalho por razões económicas, entendendo-se estas como as resultantes de motivos de mercado, tecnológicos, catástrofes ou outras ocorrências que tenham ou venham previsivelmente a afectar a actividade normal da empresa ou estabelecimento.
Durante o período de suspensão, cessam os direitos, deveres e garantias das partes inerentes à efectiva prestação do trabalho, mantendo-se todavia os deveres de lealdade e respeito mútuos (artigo 122º n° 4, aplicável por força do artigo 123º n° 3, ambos da Lei do Trabalho).
Outrossim, durante o período de suspensão, a remuneração do trabalhador é gradualmente reduzida, tendo o trabalhador direito a 75%, 50% e 25% da remuneração durante o primeiro, segundo e terceiro mês da suspensão, respectivamente, devendo o empregador, de qualquer forma, pagar salário que não seja inferior ao mínimo nacional (cfr. nº 5 do artigo 123º da Lei do Trabalho). A partir do quarto mês, se o impedimento subsistir, pode-se suspender o pagamento das remunerações, como decorre da primeira parte do nº 6 do artigo 123º da Lei do Trabalho.
Se por um lado, neste regime se possa vislumbrar uma alternativa para assegurar a quarentena sem que o trabalhador perca a totalidade da remuneração, por outro lado, permite que o empregador possa reduzir gradualmente o custo com as remunerações num período de baixa ou, nalguns casos, nenhuma produção. No entanto, alguns empregadores mais conservadores podem ter alguma resistência em optar por esta via.
É que este regime foi concebido como uma alternativa à cessação da relação laboral, ou seja, para os casos em que o empregador tem todas as condições para rescindir os contratos de trabalho com aviso prévio, mas opta por suspender a relação, na expectativa de poder ultrapassar o impedimento que o justifica. Nos termos deste regime, caso o impedimento subsista para além dos três meses, as partes podem acordar na extinção do contrato de trabalho, assegurando-se ao trabalhador indemnizações a serem calculadas nos termos do artigo 128º da Lei do Trabalho. Este regime de indemnização é bastante penoso para o empregador, especialmente nos casos dos contratos por tempo indeterminado, uma vez que os trabalhadores terão direito a 45 dias de salário por cada ano de serviço, independentemente do tempo de serviço e do salário base do trabalhador.
Este regime é em si contraditório, uma vez que, por um lado, o n°6 do artigo 123º da Lei do Trabalho prevê que a extinção do contrato de trabalho possa ser por acordo, por outro, o n° 7 do mesmo artigo não permite que a indemnização seja acordada entre as partes, ao estabelecer que “o empregador deve colocar à disposição dos trabalhadores compensação pecuniária calculada nos termos do artigo 128º da presente lei”.
Portanto, a menos que no âmbito das medidas a serem implementadas pelo Governo e a serem estabelecidas por lei (entenda-se Acto Legislativo da Assembleia da República, dada a necessidade de assegurar o princípio da hierarquia das normas), se considere uma excepção ao critério de indemnização em caso de extinção da relação a partir do quarto mês da suspensão, tendo em conta a imprevisibilidade da duração dos motivos que a justificam, alguns empregadores podem não considerar este regime atractivo, pelos riscos financeiros a ele associados caso o impedimento exceda três meses.
Este receio por parte dos empregadores de recorrer ao regime da suspensão dos contratos de trabalho poderá prejudicar os trabalhadores que não tenham férias adquiridas e não gozadas, na medida em que os empregadores podem optar pela cessação dos seus contratos nos termos do regime do artigo 130 da Lei do Trabalho, ainda que com direito a indemnização.
Assim, pensamos que, como parte das medidas para salvaguardar o ambiente económico e social, o Governo poderia alterar a Lei com vista a acrescentar as regras deste regime ao estabelecer o regime jurídico a ser aplicado caso tenha que ser determinado o Estado de Emergência e/ou quarentena obrigatória, como forma de assegurar o pagamento das remunerações durante pelo menos os primeiros três meses. No entanto, é necessário que sejam feitas algumas alterações, mormente relativamente ao critério de cálculo de indemnização em caso de necessidade de extinção da relação laboral, por forma a tornar este regime menos penalizador para os empregadores.
No contexto actual, para os empregadores que não se sintam confortáveis em se expor ao risco acima, a alternativa a considerar é acordar (com os trabalhadores que não possam continuar a desempenhar as suas actividades) outras medidas como a redução das horas de trabalho ou o gozo de férias com ou sem vencimento, como uma alternativa à cessação dos contratos de trabalho. A este respeito, é importante ter em conta que o adiantamento de férias é limitado a 30 dias por cada ano (artigo 101(3) da Lei do Trabalho), pelo que seria necessário que a lei a ser aprovada permita igualmente o adiantamento de mais de 30 dias de férias.
Caso a pandemia do corona vírus subsista por mais de 4 meses, poderá ser prejudicial aos trabalhadores pelas razões acima indicadas, mas também para os empregadores, pois para além de perderem a sua massa laboral que custou um grande investimento para a sua formação técnico-profissional, acresce o ónus de pagar as indemnizações face ao regime previsto na parte final do nº 6 e no nº 7 do artigo 123º da Lei do Trabalho.
Nesta perspectiva, a melhor solução seria por iniciativa do Governo ser submetido com carácter de urgência uma proposta de lei a ser aprovada pela Assembleia da República para, entre outras áreas, regular o regime laboral durante o período de quarentena ou do Estado de Emergência se este for decidido.