Implicações jurídicas para os actos processuais no decurso do Estado de Emergência
Alerta COVID-19
Por Decreto Presidencial nº 11/2020, de 30 de Março, o Presidente da República de Moçambique decretou o Estado de Emergência, por razões de calamidade pública, em todo o território nacional, com a duração de 30 dias, com inicio às 0.00 horas do dia 01 de Abril de 2020 e termo às 24 horas do dia 30 de Abril de 2020.
Foram ouvidos o Conselho de Estado e o Conselho Nacional de Defesa e Segurança, à luz do disposto na alínea a), do artigo 160º, conjugado com a alínea b), do artigo 165º e a alínea b) do artigo 265º, todos da Constituição da República de Moçambique (CRM). Por sua vez, por Lei n.º 1/2020, de 31 de Março, a Assembleia da República ratificou a Declaração do Estado de Emergência, constante no acima referido Decreto Presidencial, ao amparo do disposto nos artigos 37º e 151º, ambos do Regimento da Assembleia da República, aprovado pela Lei n.º 17/2013, de 12 de Agosto, alterada e republicada pela Lei n.º 12/2016, de 30 de Dezembro, conjugado com a alínea g), do n.º 2 do artigo 178º e do n.º 1 do artigo 293º, ambos da CRM.
A declaração de Estado de Emergência impõe-se como forma de legitimação jurídica e política de medidas que, visando responder ao surto provocado pela Covid-19, protejam a vida e o bem-estar da população. A declaração vai habilitar o Governo a adoptar as providências que se mostrem necessárias e adequadas, incluindo a materialização da suspensão de alguns direitos, liberdades e garantias fundamentais, procurando prevenir, atenuar e combater os efeitos da covid-19, num cenário de conjugação de todos os principais órgãos do Estado.
É um instrumento previsto na CRM, mas que nunca foi usado em Moçambique desde a independência nacional. Por essa razão, não há jurisprudência sobre a matéria, embora exista doutrina de ordenamentos jurídicos semelhantes aos nossos, como é o caso de Portugal. Esta situação poderá em algum momento suscitar dúvidas nos diversos sectores do Estado quanto à forma de actuação diante das medidas de prevenção anunciadas pelo Chefe de Estado durante o Estado de Emergência.
Tendo em atenção à Declaração do Estado de Emergência, uma das medidas adoptadas para regular o acesso à justiça1 durante este período, consta do artigo 2º da Lei nº 1/2020, de 31 de Março, que estabelece que não correm os prazos processuais e administrativos, incluindo os dos procedimentos disciplinares, prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os procedimentos, pelo tempo que durar o Estado de Emergência.
Neste sentido, aplicar-se-á, para os actos processuais e procedimentos judiciais, o regime das férias judiciais (artigo 27º da Lei nº 24/2007, de 20 de Agosto, com a redacção dada pelo artigo 11º da Lei nº 11/2018, de 3 de Outubro e artigo 143º do Código de Processo Civil), sem prejuízo dos processos urgentes, nomeadamente providências cautelares e em processos onde estejam em causa os direitos fundamentais, como relativos aos arguidos presos e dos menores em risco.
Ainda no rol dos processos urgentes, incluem-se, entre outros, os do contencioso administrativo previstos no artigo 11º da Lei nº 7/2014, de 28 de Fevereiro, os processos de insolvência e recuperação de empresários comerciais, pedidos de suspensão da eficácia dos actos administrativos e das normas, a intimação para comportamento, as providências cautelares não especificadas, a produção antecipara de prova, a intimação para informação, consulta de processo ou passagem de certidão.
Assim, com excepção dos processos considerados urgentes, os prazos judiciais que terminam durante o decurso do Estado de Emergência, ficam suspensos e transferidos para o primeiro dia útil a seguir ao termo do Estado de Emergência, se este não for prorrogado, como decorre das disposições conjugadas dos artigos 143º e 144º do Código de Processo Civil e do artigo 292º da CRM.
Na sequência da Declaração do Estado de Emergência e no reforço das medidas de prevenção e, por força do disposto no nº 4 do artigo 2º da Lei nº 1/2020, de 31 de Março, o Presidente do Tribunal Supremo emitiu a Directiva nº 03/TS/GP/2020, de 01 de Abril, ao amparo do disposto na alínea e), do artigo 97º, da Lei nº 24/2007, de 20 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei nº 24/2014, de 23 de Setembro e ainda pela Lei nº 11/2018, de 03 de Outubro, estabelecendo medidas adicionais de prevenção face a pandemia Covid-19, com efeitos a partir do dia 01 de Abril de 2020, tais como:
- Ordenar a adopção da modalidade de rotação de funcionários que não exercem cargos de chefia, devendo os Presidentes dos Tribunais a todos os níveis encarregarem-se de assegurar a elaboração de escalas de trabalho dos funcionários dos tribunais respectivos, nos sectores em que tal medida se justifique e seja possível, devendo ser salvaguardada a continuidade do serviço e o controle da efectividade;
- A elaboração de escalas de trabalho na Inspecção Judicial será assegurada pelo Inspector – Geral.
- Recomendar aos juízes a apreciação urgente dos pedidos de liberdade condicional pendentes e prestar informação regular sobre o ponto de situação ao Presidente do Tribunal Judicial da Província respectivo.
Importa referir que, tal como o Presidente do Tribunal Supremo, o Presidente do Tribunal Administrativo emitiu, no dia 02 de Abril de 2020, a Instrução n.º 01/GP/TA/2020, contendo a adopção de medidas adicionais consideradas temporárias para a prevenção e controlo da propagação da pandemia Covid-19 e a Procuradora – Geral da República poderá tomar medidas adicionais consideradas adequadas no âmbito da prevenção da referida pandemia, podendo ser ouvida a Ordem dos Advogados (OAM), nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 2 da Lei n.º 1/2020, de 31 de Março.
[1] Nos termos dos artigos 62º e 70º da CRM, conjugado com o artigo 22º da Lei nº 24/2007, de 20 de Agosto.