Estatuto do Administrador da insolvência no regime jurídico da insolvência e da recuperação de empresários comerciais
A figura de Administrador da Insolvência, tão importante no processo de insolvência e recuperação de sociedades, surge no âmbito do Decreto-Lei n.º 1/2013 de 4 de Julho, que aprova o Regime Jurídico da Insolvência e da Recuperação de Empresários Comerciais, e veio a ser regulamentada nos termos do Decreto nº 36/2019 de 16 de Maio, que aprova o Estatuto do Administrador da Insolvência (“Decreto 36/2019”), alvo do presente artigo.
O Decreto 36/2019 aplica-se a todas as pessoas singulares ou colectivas privadas que exerçam a função de AI ou de fiscalização e orientação no processo de recuperação.
Quem pode ser AI: A função de AI pode ser exercida por pessoas singulares e por pessoas colectivas do tipo sociedades, e empresas. Em qualquer dos casos, o candidato a AI deve reunir os seguintes requisitos cumulativos: (i) ser profissional idóneo com experiência mínima de cinco anos, preferencialmente na área de advocacia, economia, administração de empresas e contabilidade; (ii) ser moçambicana ou caso seja estrangeira deverá dispor de permissão para trabalhar em Moçambique e estar integrado em uma sociedade ou empresa Administradora de Insolvência devidamente registada; (iii) participar de um programa de formação específica; e (iv) ser aprovado no exame de acesso.
No caso de ser nomeada uma sociedade, deve ser indicado o nome do profissional responsável pelo projecto, sendo que este deve estar certificado pelo Ministro da Justiça e registado como AI.
Certificação e Registo do AI: O exercício da actividade de AI está condicionado à certificação quando se trate de AI individual e a registo quando se trate de AI pessoa colectiva.
A certificação é feita pelo Ministro que superintende a área da Justiça. Contudo não é claro se o mesmo é responsável pelo registo do AI pessoa colectiva, pois o Estatuto tão-somente faz referencia à uma Entidade Competente, sem claramente definir tal entidade.
A certificação do AI individual está condicionada ao exame de acesso ministrado pela entidade competente, enquanto que para as pessoas colectivas, o exercício desta actividade depende do registo, precedido da inscrição pela entidade competente. Importa ainda referir que quando seja nomeada como AI uma pessoa colectiva, esta deve indicar o profissional responsável pelo processo e este deve estar devidamente certificado como AI.
Direitos do AI: (i) exercer as actividades praticando todos os actos que lhe sejam legalmente atribuídos e; (ii) recorrer para tribunal competente, das sanções disciplinares que lhes tenham sido aplicadas e de qualquer decisão do dirigente da entidade competente, com directa repercussão no seu estatuto profissional; (iii) receber a percentagem legal da remuneração e ser recompensado das despesas de acordo com a legislação; (iv) ter acesso a correcção dos exames escritos, e em caso de discórdia, solicitar revisão; (vi) possuir documento de identificação próprio; (v) requerer protecção especial quando necessário.
Deveres do AI: de entre outros, o AI deve (i) respeitar e observar os princípios e normas de conduta; (ii) participar nos programas de formação; (iii) cumprir com as decisões emanadas pelo dirigente da entidade competente; e (iv) submeter semestralmente um relatório detalhado nos termos estabelecidos legalmente.
Remuneração do AI: A remuneração do AI é suportada pela massa insolvente, isto é, pelos bens e direitos que integrem o património da sociedade em insolvência à data da declaração da insolvência, e não pode exceder 5% do valor da venda dos bens na insolvência. Nos casos de recuperação judicial, esta é suportada pelo devedor ou pela massa insolvente e não pode igualmente exceder 5% do valor devido aos credores.
No exercício das suas funções o AI observa as normas e princípios estabelecidos, aplicando-se à situação concreta das entidades a quem presta serviços, evitando qualquer diminuição da sua independência em razão de interesses pessoais ou de pressões externas. Para além dos princípios já referidos, este profissional orienta-se ainda pelos princípios de (i) integridade; (ii) idoneidade; (iii) competência; (iv) confidencialidade; (v) equidade; (vi) lealdade; e (vii) transparência.
O AI é responsável por todos os actos que pratique no exercício das suas funções, incluindo, os actos dos seus colaboradores.
Para a garantia das suas competências profissionais e o exercício adequado das suas funções o AI deve desenvolver e incrementar os seus conhecimentos e qualificações e dos seus colaboradores, planear e supervisionar a execução de qualquer serviço por que seja responsável, e avaliar a qualidade do trabalho realizado, utilizar os meios técnicos adequados ao desempenho cabal das suas funções e recorrer ou propor o recurso a assessoria técnica adequada, sempre que necessário.
O AI deve ainda aplicar os princípios e normas contabilísticas de modo a obter a verdade da situação financeira e patrimonial das entidades para quem for nomeado.
Qualquer conduta do AI contrária às regras deontológicas constitui infracção disciplinar incluindo-se nestas, a quebra de sigilo, o furto, roubo, abandono da administração, entre outras, podendo estas ser sancionadas com (i) uma advertência registada; (ii) multa; (iii) suspensão; ou (v) a proibição do exercício da função e consequente cancelamento do registo.
A responsabilidade do AI é garantida por um seguro de responsabilidade civil ou por uma caução.
Nos casos em que a conduta do AI não vá de acordo com as exigências de idoneidade e legalidade prescritas na lei, pode, qualquer pessoa com interesse legítimo nas actividades deste, efectuar uma reclamação, sendo que para tal, deve o mesmo seguir os procedimentos legalmente estabelecidos.
Concluindo, a figura de Administrador da Insolvência não é uma figura nova à realidade Moçambicana, porém, com base nas disposições legais do Decreto 36/2019, esta tornou-se não só numa figura com extrema importância para a tramitação dos processos de insolvência e recuperação judicial dos empresários comerciais, mas também numa nova profissão com direitos, deveres e remuneração devidamente estabelecidos na legislação moçambicana.
Não obstante, é importante notar que, apesar de o Decreto 36/2019 estabelecer diversas directivas às quais esta profissão está obrigada, como em toda a legislação nova, este Decreto traz consigo algumas disposições que necessitam de clarificação, para a sua implementação prática, como é o caso do registo do AI ser efectuado por uma Entidade Competente, que não está devidamente definida na legislação.